Monday, October 13, 2008

Costanilla de los Desamparados

Domingo, 12 de Outubro de 2008. Definitivamente um dia que merece um capítulo inteiro em minha biografia. Ou, quem sabe, até dois. Recomendo a leitura atenciosa do longo mosaico de idéias que se estende porque minha vida nunca mais será a mesma.

Era o último dia do VivAmérica que é alguma coisa que eu não entendi. Mas tinha a tal de La Marcha com trio elétrico da Daniela Mercury, Orishas e eu só pude concluir: OPAH,FIESTA! Bom, convoquei um punhado de cavaleiros da diversão os quais eram:

Válcir e Regina: casal do Nordeste que estão aqui por conta de um curso que ela está fazendo.
Elisa: Senhorita simpática e casada que está aqui realiando seu doutorado sanduíche em biologia.
Páris: O afilhado do Chico Buarque, cara extremamente culto e um legítimo caçador de boas histórias.

Se o Grêmio é capaz de liderar o Brasileirão com aquele time, eu tive certeza que ese escrete era plenamente apto a lutar pelas boas histórias e redenção da alma.

E nos fomos. Decepção geral quando a tal marcha se inicia como um desfile organizado e respeitado pelo público que não mais fazia do que olhar e aplaudir. Participação não é com esses espanhóis. Enquanto El Salvador contagiava e empolgava um bando de 5 velhinhas com bandeirolas e chapéu, decidimos ir à procura de um bar.

Extremamente difícil encontrar algum lugar para se desfrutar de um belo chope no domingo com parada e tudo, mas conseguimos e encontramos. Um chope, ok, beleza, lugarzinho mais ou menos e nos mandamos. No caminho de volta a La Marcha (realmente acreditávamos que poderia ficar melhor) paramos em um outro bar ainda menos simpático que o anterior mas com preços convidativos (além do que a ausência de ambulantes no desfile tornava o acesso a qualquer coisa uma impossibilidade nas imediações do furdunço). E lá vinha ela, a chata e esganiçada Daniela Mercury com músicas dos princípios da década de 1990 e um discurso sobre a necessidade dos europeus reduzirem subsídios para as importações de produtos brasileiros (quem leva o Brasil a sério só pode ser idiota). Atrás e na frente do trio elétrico a alegria e malícia do povo brasileiro encantavam a todos e desta vez conseguimos nos infiltrar na massa. Mais um erro que cometi na vida: o que durante dez minutos significou samba no pé e gingado gaúcho contaminando a avenida logo se tornou em um amontoamento de baianos se empurrando, se debatendo e o pisoteamento seria meu destino inevitável se não tivesse conseguido escapar pela tangente com meus fiéis escudeiros.

Passou o maldito trio elétrico do inferno e, quando já se aproximava o desfile do Uruguay com suas duas bandeiras e 17 pessoas, voltamos à avenida, agora já com mais calma, espaço para se mexer e pura tranquilidade. Rá, se antes tivera meu corpo esmagado por milhares de pessoas, agora estava prestes a ter meu coração pisoteado, destruído e humilhado. Afinal, quem surge ali, no meio da massa, no meio de 700 mil pessoas que participavam do evento? Não ao longe, mas ALI, a 3 metros de mim. Ela. Não somente ela, ELA. A mulher por quem cruzei o oceano, para quem entreguei meu coração e que me rechaçou como o rato imundo que eu devo ser. ELA está de costas, a puxo pelo braço e a cumprimento. Vejo seu rosto empalidecer ao instante ao passo que meu coração dispara como se minha alma de repente tivesse decidido correr os 100m rasos da vida. Me afasto após o olá nervoso e repleto de outras expressões não-ditas. Meus camaradinhas me consolam ao que Válcir diz:

- Olha lá, ela está te procurando.

E estava, me buscava com os olhos, não com o coração como eu gostaria. Tal qual um colegial em seu primeiro baile me encho de coragem para ir falar com ela, como se não a conhecesse, com o medo daqueles que desafiam o destino de braços abertos e expõem seus sentimentos à possibilidade de serem inteiramente destroçados. A convido para conhecer meus amigos, o que ela aceita de bom grado e os saúda com a simpatia que lhe é peculiar. A pergunto se pode conversar por um breve momento e ela aceita, diálogo o qual reproduzo:

- Tudo bem?
- Tudo.

Ok, terminam aí os intróitos, não estava afim de uma conversa supérflua e banal.

- Faz uma semana que a gente não se fala, como tu te sentes?
- Bem, tô feliz.
- Ficaste melhor comigo fora da sua vida, então...
- Ai, Bruno...eu estava tendo uma série de sentimentos antigos quando eu estava te vendo...
- Sentimentos bons?
- Não, sentimentos ruins, eu estava me sentindo nervosa, presa...
- Tudo isso ou foi apenas aquele e-mail que você leu (trocas de carinho e juras de amor com uma menina muito especial na minha vida)...
- É...isso...outras coisas também...
- E você ainda me ama?
- Eu...eu acho que não...
- Então provavelmente essa é a última vez que nos vemos...Tu me queres fora da sua vida?
- Não, não sei. Eu esperava que pudéssemos ser amigos...
- Eu não posso ser seu amigo. Não agora e talvez nunca.
- Então talvez seja melhor a gente se afastar.
- É...(aqui, neste exato momento, quem estivesse por perto poderia ver claramente meu coração ser arrancado do meu peito, jogado no asfalto e ter uma turba de baianos sambando em cima dele)
- Olha, eu vou voltar pras minhas amigas...
- Ok...

Um beijo na bochecha, um abraço e ela se foi. E com ela toda minha alegria de viver naquele momento. Meus ombros despencaram, minha respiração falhou e ao som das colocações de apoio (ou seria pena?) dos meus companheiros decidimos abandonar o evento e irmos a um bar. Sentamos em uma praça e em meio a lamúrios e tentativas de resgatar minha dignidade e amor-próprio tomamos uma Urquell, ao que ficamos somente eu e Páris, tendo Elisa, Regina e Válcir nos deixado à própria sorte, visto que tinham compromissos pela manhã de segunda-feira. Ficamos então discutindo sobre corações partidos, mulheres e como sofrer por amor pode ser uma coisa construtiva para o caráter de homem. Partimos dali, entonces, para buscar o passaporte dele, uma barra de chocolate e uma quantia substancial de dinheiro. De lá fomos a la Plaza Mayor e desfrutamos de uma cerveja belga em um boteco que estava prestes a fechar ao que eu contava minha vida de forma não resumida. Bar fechado, ok, nos dirigimos para um ao lado. Uma cerveja, ok, bar fechado também. Isso devia ser próximo da 1h da manhã. Saímos caminhando sem absolutamente nenhum destino, nenhum objetivo relegando ao acaso o destino de nossas vidas naquela principiante madrugada de segunda-feira.

E aí o inesperado acontece. O surpreendente. O Universo conspirando por algo que ainda não consigo entender. Um magrão nos aborda numa rua e nos sugere uma ida ao seu bar, oferecendo o preço da cerveja e com uma dificuldade incrível de explicar o tamanho do copo. Demos um "ok" plenamente descrente mas fomos e entramos NO MELHOR BAR DE MADRID. Era pequeno e não tinha ninguém fora um casal de bêbados, um casal de bolivianos, um cara sozinho num canto do balcão e 3 metaleiros discutindo sobre desafios de matemática. Mas a música. Ah, o doce rock and roll como eu não ouvira e não haverei de ouvir em nenhum outro local desta cidade. Uma seleção de músicas não como as do Renan (que eu não conheço nenhuma), mas músicas que eu conhecia, gostava e representavam perfeitamente o meu estado de espírito. Creep, Crazy, Dream On, Fear of the Dark, That Thing You Do e outras. Quem seria responsável por esta tortura alentadora? Ela. Eu não sei seu nome, mas gosto de pensar que é Esperança. A bartender do local de sorriso fácil e papo amigável, linda como o arco-íris após a tormenta. O bar fecha, ao que ela se dirige a mim, me abraça e me beija na bochecha. Ó incrível dualidade! Como pode o mesmo ato repetido representar em um período tão curto a dor e a redenção? Peço um cartão do local e aí está. O título deste e-mail descreve a localidade do botequim. COSTANILLA DE LOS DESAMPARADOS. Tradução desnecessária, creio. Rio, rio com vontade da gigantesca piada que se fez da minha vida e da coincidência providencial.

Me ergo. Ergue-se meu espírito e nada mais pode me parar. Eu não deixei meu amor quando ELA se foi, mas eu acredito que, seja o que for, algo melhor é possível e está por vir.

No retorno ao lar ainda paramos em um bar por 1 minuto que foi o tempo que precisamos para perceber que se tratava de um clube gay e em um boteco de taxistas no qual tivemos exaltada conversa sobre futebol sulamericano com um garçom equatoriano e outro argentino (que ficou puto por eu ter perguntado se ele era de la hincha de Boca).

Enfim o retorno. A dor permanece mas já não me consome. O sorriso durante o sono desaparece, mas é substituído por um ar de tranquilidade, calma e completa desistência de controlar algo que seja na minha vida pelos próximos dias. Deixa acontecer.

1 comment:

Anonymous said...

O melhor post de todos, não pelo ocorrido, mas completamente Bruno Fischer. Dr. tu é singular!
Só vê se troca o "Dreher genérico" por um suco de laranja, é um pouco mais saudável. Às vezes me pego pensando: imagina se ele estivesse na Alemanha?!? Gosh...
Buenas, boa semana por aí!
Besitos muchacho